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segunda-feira, 2 de março de 2015

MN3005 x PT2399 - Desmistificando pedais de delay

Ultimamente vejo muitos 'fabricantes handmade' fazerem propaganda de suas peças de delay digitais, alegando que "soam" igual, ou parecido com um delay analógico. Há até aqueles que mentem dizendo que o pedal é analógico, porém quando aberto há um CI processador de eco dentro...
Falando nisso, uma dúvida que tenho é sobre o DL-103 da Giannini, alguém ai já abriu um para ver?

Bom, o componente responsável por essa recente enxurrada de delays digitais feitos a mão, é esse da foto abaixo:

Vejam no site do fabricante: www.princeton.com.tw/PT2399

Primeira página do datasheet

Em uma tradução livre, podemos ler na descrição:

"O PT2399 é um CI (circuito integrado),
processador de eco de único chip utilizando tecnologia CMOS, que aceita o sinal de entrada de áudio analógico a uma alta taxa de amostragem ADC (Conversor analógico para digital), que transfere o sinal analógico em um fluxo de bits para em seguida armazenar na RAM interna de 44Kbit, depois o processamento de fluxo de bits é de-modulado pelo DAC (Conversor digital para analógico) e por um filtro passa-baixa. O tempo de atraso total é determinado pelo relógio de frequência interno (VCO), e o usuário pode facilmente mudar a frequência de VCO alterando a resistência externa (R).
O PT2399 executa baixa distorção (THD<0,5% considerado 0,5Vrms), e baixo ruído (No<-90dBV). Característica para fins de áudio, disposição de pinos e circuito de aplicação são otimizados para um fácil layout de placa e vantagens de redução de custo."


Aqui o datasheet mostra um "fluxograma" de funcionamento:


*

Agora vamos ver o MN3005, famoso delay analógico BBD (Bucket Brigade Devices):

Tradução livre da descrição:

"O MN3005 é a primeira palavra em longo atraso BBD 4096 estágios,  8 vezes mais que os BBD 512 estágios, fabricado usando processo de baixo ruído por entrada canal-P silício.
Sinal de longo tempo de atraso, 205ms podem ser obtidos em 10kHz de frequência de relógio.  S/N (sinal/ruído) igual a 75dB. S/N foi aumentado mais de 20dB em comparação a 8 BBD 512 estágios conectados. O MN3005 é adequadamente usado para reverberações e efeitos de eco em instrumentos musicais eletrônicos como: órgão, amplificador de guitarra e sintetizador de música que necessita de um longo tempo de atraso."


Diagrama do circuito interno e algumas características:



Considerando as informações básicas acima, vou expor 'por cima' as diferenças entre os dois.


O PT2399 trabalha exatamente como descrito no datasheet, só acrescentando que há um filtro passa-baixa também na entrada do sinal. O filtro na entrada evita basicamente que algum sinal fora da faixa de frequência audível possa ser processado, e pela taxa de amostragem possa ser "confundido" com uma frequência audível e apareça na saída. O filtro na saída é para barrar algum ruído no sinal causado pela frequência de clock. Pela construção, o delay digital tende a ser mais "fiel" ao sinal de entrada dependendo da taxa de amostragem e pelos bits de processamento.
O pai do PT2399, o obsoleto PT2395 (vejam o datasheet PT2395), tem uma resolução de 10 bits nos ADC/DAC, taxa de amostragem de 25kHz (Clock), considerando que para cada 64K de DRAM (vejam a nota *), ele conseguia 0,2s (trabalha no máximo com 256K = 0,8s). Já o PT2399 com 44K de RAM consegue 0,35s (com THD 1%), posso dizer que tanto a resolução dos ADC/DAC e a taxa de amostragem foram diminuídas no PT2399, exemplo:

PT2395 - Resolução conversor AD/DA: 10bits  <>  Taxa de amostragem: 25kHz
Multiplicando fica 250kHz total de amostragem.
Considerando que o K digital é 1024 e não 1000, o total da mémoria de 64K é 65536bit.
Dividido a memória pela amostragem teremos um pouco mais de 0,2s (65536/250000=0,262s). Temos que ter em mente que o processamento nunca é feito com a memória cheia, por isso o tempo total de atraso é arredondado para 0,2s, se não haveria perda de informação e aumento na distorção em relação ao sinal de entrada, e no caso, a distorção total especificada é 0,4%.

Como o PT2399 diz que consegue um atraso de 347ms, posso crer que a resolução dos conversores é 8bit, e a taxa de amostragem é 16kHz, resultando em uma amostragem total de 128kHz.
Fazendo o calculo da memória 44K (45056bit), dividida pela amostragem: (45056/128000=0,352s), temos os 0,35s.
Obs: Os valores da resolução e taxa de amostragem foram deduzidos por mim, já que o fabricante não os especifica no datasheet, mas pelo cálculo é bem possível que estejam próximos.

*NOTA: DRAM é uma memória dinâmica, a retenção de dados é feita por capacitores (esse processo lembra o do MN3005) , os processadores que as usava são mais simples, pois não precisavam apagar os dados da memória antes de gravar novos. Podia-se até fazer ligações em paralelo de várias DRAM (claro que respeitando o limite desse tipo de processador, que geralmente é de 256K), para obter mais tempo de atraso.
Porém, as DRAM estão obsoletas, e é por esse motivo que os processadores; RDD63H101 usado no DD-2 da BOSS, M50195P, PT2395 e HT8955A entre outros, caíram em desuso...

Para quem tiver interesse, há um distribuidor no bairro do Belém que está cheio do HT8955A no estoque, o problema é achar as DRAM para montar o circuito... Datasheet HT8955A.


PT2395 mais sua DRAM 256K, usados em um Danelectro DJ-17 PB&J Delay (Total de 800ms).


*



Já o MN3005 como o próprio nome diz, Bucket Brigade Devices ("Dispositivo de brigada de baldes"), como visto no diagrama de circuito, o sinal passa de um transistor para outro, e para cada um há um capacitor que retêm o sinal para cada estágio (no caso do MN3005 são 4096 estágios), e é o clock que determina quando a carga retida num estágio passa para o posterior. E esse é o segredo, quanto mais estágios o sinal tiver que passar, maior será o tempo de atraso, claro que isso também depende do clock que fará o controle desse tempo.
Por sua construção, o MN3005 pode trabalhar direto com o sinal puro sem precisar fazer alguma conversão, como os digitais que usam o ADC (entrada) e DAC (saída), porém é óbvio que no meio do caminho, o sinal de alguma forma é alterado, e isso aumenta se o tempo de atraso for maior, tanto que a relação de THD e ruído do MN3005 é um pouquinho pior se compararmos aos delays digitais, e justamente esse é o 'charme' que faz muita gente mesmo hoje em dia buscar um efeito assim, mesmo com tantos módulos de eco com resoluções altíssimas e fieis ao sinal de entrada.

Outra característica, é que os circuitos de filtros passa-baixa não são internos aos BBD's , e precisam ser incluídos no projeto do efeito também pelos motivos listados no PT-2399.
Outro recurso que era usado junto ao circuito de atrasos BBD's, é o 'CI Compandor' (Basicamente um circuito integrado que tem a função de comprimir o sinal para o BBD, e de expandir o sinal de saída do BBD). Um exemplo desse CI é o SA571 Datasheet.
Usando o 'compandor', é possível atenuar o sinal para que o BBD possa trabalhar com uma relação de THD menor, e com isso conseguir estender um pouco mais o tempo de atraso (A exemplo do DM-2 e 3 que com um único MN3005/MN3205 conseguiam 300ms de atraso).
Os primeiros delays digitais também usavam o 'compandor', a exemplo do DD-2 BOSS, mas seu uso era desnecessário pelo fato do modo com que o sinal era trabalhado pelo processador.

Obs: O MN3205 é a versão que funciona com canal-N e tem especificações melhoradas (Usado no DM-3 da BOSS) .

Podemos ver o "gerador de atraso" MN3005, o MN3101 que controla o clock para o BBD, e o compandor SA571 logo abaixo na foto.

Conclusão:

Agora vamos analisar, se o PT2399 consegue produzir o som "parecido" com o MN3005 mesmo processando o sinal de forma totalmente diferente, por que o PT2395 que tinha as especificações melhores não pegou essa fama?
A única resposta plausível, é justamente o fato do PT2399 não conseguir reproduzir o sinal de saída o mais próximo de como ele entrou... Ou seja, ele consegue parecer com um MN3005 porque é um processador de eco simples e com especificações, digamos, ruins em comparação a outros processadores, por isso ele é um componente "barato", fizeram até a memória internamente para diminuir custos...

O PT2399 pode ser uma saída para quem não consegue tem um delay BBD, porém o fato dele ter essa característica não quer dizer que ele é um substituto, pelo contrário, é usar um gato em vez de cão para a caça, quem teve, ou já escutou um delay BBD sabe do que estou falando. O som é incomparável, é como o som de um piano bem temperado em relação ao som seco de um teclado, talvez é por essa razão que esse componente é único, pois é pela "imperfeição" que os nossos ouvidos se atraem, e não pela simetria de um sinal matematicamente montado por um processador.

* Mais uma observação.

Há um 'fabricante handmade' que fez um tap delay digital, provavelmente usando dois PT2399 e um microcontrolador para fazer o controle do clock na função tap. Não estou aqui para falar mal, pelo contrário, o cara trabalha muito bem, e quando produz alguma peça que é 'réplica', faz o certo que é dizer qual o modelo copiado ou usado como base para a construção, diferente de outros handmades por ai...
Porém, o ponto onde quero chegar é o seguinte; ele diz que é o primeiro delay tap tempo handmade brasileiro, mas é óbvio, pois um projeto desse não compensa. Vou explicar:

Não querendo queimar o trabalhão que o cara teve para fazer o pedal, mas já queimando, vamos fazer a seguinte comparação; todo mundo gosta do famoso DD-3 da BOSS, e ele não tem fama de parecer com um analógico, não é mesmo? Se compararmos o tap delay do cara, que deve ser de uns 600ms, com outro tap delay, por exemplo o DGD-2 da Onerr, teremos a mesma faixa de preço $$, só que o da Onerr é tap, hold e vai até 1250ms de atraso com uma resolução de 24bits, enquanto o PT2399 que o cara usou tem uns 8bits... Qual é o mais em conta???

Eu tinha vontade de fazer um projeto próprio de um digital delay, mas de tanto pesquisar, e ver que o Brasil não é o melhor lugar para fazer isso, desisti... Resolvi passar para os delays BBD's, pois são difíceis de achar, apesar que a BOSS relançou o DM-2 com DM-2W, e acabei desistindo novamente, pois pelo preço que ia ficar, ninguém em sã consciência iria comprar...

Conseguiram entender o por quê de ser tão complicado fabricar eletrônicos em casa para vender aqui no Brasil?



10 comentários:

  1. cuidado com os 3005s da china, a maioria é falso e nao funciona

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    1. Olá LeBon (Anônimo).

      Os BBD's que importei são canal-N, ou seja, compatíveis com os MN3205. Mas não se preocupe, peguei novos direto do fornecedor de um fabricante famoso.

      Ficar comprando os Panasonic MN3005 hoje em dia, é contar com a sorte.

      Obrigado pelo comentário.

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  2. Tudo que voce falou esta certo, porem a magica que faz o 3205 soar o eco que os guitarristas gostam e' a compressao/expansao e o forte corte de agudos dos filtros. Usando o mesmo artificio com os Putos (e' assim que chamo os pts), da fazer soar igualzinho. O segredo e' o NE571, principalmente a compressao. Na realidade esses pedais de ecos analogicos com compander sao ecos com compressao de sinal nas repeticoes. Como a qualidade e' muito ruim, ao final de longas repeticoes aquilo vai embolando tudo e se tornando quase uma reverberacao nas ultimas repeticoes o que torna assim mais bonito do que as repeticoes clarinhas e fieis de um digital de qualidade. Como o BBD e' pior que que o PT em qualidade ele vai embolar mais ainda, neste caso podemos dizer que o BBD soa melhor. Repeticao comprimida, forte filtro e ultimas repeticoes emboladas quase indistiguivel.

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    1. Olá "magicguitarpedal", obrigado pelo seu comentário.
      Mas sua informação está incorreta, diria contraditória... O SA571 está no circuito justamente para atenuar distorções harmônicas, ruídos ou transientes causadas pela alta taxa de amostragem, no caso de o BBD estar trabalhando com o tempo de atraso a cima do especificado. Ou seja, o intuito de usar o Compador, é deixar o sinal do atraso o mais fiel possível ao de entrada (Ele nada mais é de que um compressor de baixo custo, não vai alterar o sinal, e sim deixá-lo mais uniforme para o BBD).
      Outra coisa, os filtros estão no circuitos não para "cortar os agudos", mas assim como eu disse no texto, são cortes de frequências não audíveis que podem ser "confundidos" para alta taxa de amostragem e acabam por virar distorção. Se o segredo é o sinal ruim, então o mérito está só no BBD.

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    2. O 571 tem a funcao de controle automatico de ganho (nao da pra fazer isso sem comprimir a coisa toda), e sim ele esta' la pra isso mesmo, atenuar mesmo, so que ele comprimi ao mesmo tempo. E se comprimi amacia. Sobre os filtros corta a frequencia nao audivel, esta' certo, mas assim sendo modifica os harmonicos do sinal (o sinal vai ficar mais grave) e o corte e' tanto que leva junto boa parte dos agudos por melhor que seja o filtro. Os PT tambem tem internamente uma topologia chamada de semi-compander que tenta fazer a funcao de compander (muito pobre). Voce pode dizer que o merito e' so do BBD mas eu sei que nao e' so dele. Eu conheco muito bem os BBDs desde os tempos do sad1024. Mas tudo bem, cada um com o seu conceito.

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    3. Até entendo o que você quer dizer. Mas vários pontos tem que ser considerados, antes de afirmar algo.
      Na verdade, me expressei mal ao dizer o que 571 atenua as distorções, na realidade ele tira a média de todas as frequências e iguala o volume. De certa forma, fazendo isso, atenua-se o efeito indesejável dessas distorções. O controle de ganho (expansão), só ocorre antes da entrada do BBD (o que seria o intensity) e é dado pelo nível de entrada do pedal, ou seja essa "compressão" já será perdida na saída do BBD. Já as repetições, somente passam pelo 571 para fazer um 'flatness' sem controle de ganho. Sendo assim, o 571 mal altera as características timbrísticas do sinal, ainda por cima se considerarmos que os filtros iram atuar depois de ambas as saídas do 571.
      Agora vamos para os filtros, cuidado com sua afirmação, os filtros atenuam sim os harmônicos do sinal, mas isso tem uma ordem para acontecer, e sempre ocorre no final da faixa, que no caso do DM3, isso começaria a acontecer a cima de 2,3kHz, final da faixa musical de uma guitarra.
      O filtros não atenuariam harmônicos de notas do meio da faixa por exemplo, e só ocorreria o corte para harmônicos das ultimas notas, mas considerando o ganho dessas notas, a diferença é ínfima...
      Se você me dissesse, que o segredo é o corte dos filtros nas distorções geradas pelo BBD (que são anormais aos harmônicos da guitarra), ai sim concordaria com você. Porém, mesmo levando em conta o conjunto, 571 e filtros são meros coadjuvantes, pois sem as distorções do BBD, não haveria a necessidade de tê-los no circuito.
      Sobre o PT ter uma "topologia semi-comparder", nunca ouvi isso... Na verdade como todo conversor AD/DA, há a necessidade de um AVERAGE para assim como o compader, fazer o flatness das frequências.

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  3. Onde consegue estes CIs da Cool Audio?
    É interessante que os pedais atuais que os usam NÃO soam como um DM3 por exemplo. Mesmo os pedais que seriam réplicas.
    Agora não sei se é por causa dos CIs.

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    1. Olá Tiarlei.
      CI's da CoolAudio podem ser comprados direto no site.
      Os pedais atuais que os usam não soam igual, basicamente porque, a exemplo da Behringer, são pedais de baixo custo, e o objetivo não seria soar igual a um DM3, também por problema de patente, pois estamos falando de indústria. E os Behringer não iriam soar igual a um DM3 mesmo se usasse o MN3205...
      Agora, no caso de pedais "handmade", geralmente quem os monta esquece que são CI's com características elétricas diferentes, e pegam o esquema do DM3 e colocam um coolaudio no lugar, é claro que não vão ficar iguais... Simplesmente esquecem que eletrônica não é ficar copiando esquema, e sim ter que fazer cálculos, projeto e muitos testes, para assim chegar ao resultado esperado.

      Obrigado pelo comentário.

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  4. Caro amigo tenho 2 Giannini e preciso trocar os MN3005 quais são os substitutos Preciso mesmo de um dica, você é muito bom de eletrônica para bens pelos comentários técnicos. Afonso.
    afonsomcarvalho@gmail.com

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    1. Amigo anônimo, você pode importar o V3205D da coolaudio, MAS, você precisará modificar o circuito para adaptá-lo.

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